Falta de habitação! Onde?

Muito se tem falado da falta de habitação, da escalada dos preços no arrendamento, de casas sobrelotadas e de outros problemas similares. Não se trata, no entanto, de um problema geral, como todos os que vivem no interior bem conhecem, tantas são as aldeias e vilas espalhadas a esmo, semidesertas ou em adiantado processo de gentrificação.

Do que se devia falar, assim, é de mais uma consequência do processo de litoralização, da excessiva concentração de infraestruturas e investimento junto à capital e às principais cidades da beira-mar, significativamente reforçado na última década, sobretudo nos governos de António Costa, que tinha seguramente horror à palavra “interior” e à coesão territorial. 

Depois de tantos anos a habituar-se à atmosfera poluída da Grande Lisboa, talvez lhe causasse náuseas o ar limpo que ainda por cá vai havendo!

Veja-se que, diferentemente do que alguma propagandística tem persistido em afirmar, não faltam casas em Portugal, para obras e mesmo prontas a habitar.

Podem faltar nos dormitórios de Lisboa, do Porto ou de Aveiro, no Algarve, em Coimbra ou Leiria, tudo locais onde se tem vindo a concentrar população “como se não houvesse mais terra para andar”, porque tudo quanto é investimento e serviços públicos fica por lá, na sanha na disputa pelos recursos entre ricos e remediados, pois, pela cegueira ou distração de quem tem mandado, as regiões pobres, quanto muito, ficam com as migalhas.

Num estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) ainda relativamente recente, descobriu-se que Portugal, comparativamente aos outros países da União Europeia, era quem tinha mais casas por cada mil habitantes, pois, tendo sido contabilizados 5,859 milhões de fogos espalhados pelo território, qualquer coisa como 730.000 estavam vazios, aproximadamente 12,5%. 

Mais recentemente foi o INE quem, noutro estudo divulgado em março, realizado sobre a realidade portuguesa no setor da habitação, descobriu que em Portugal havia no mercado mais casas vazias do que carências habitacionais.

Apuraram existirem 154.075 alojamentos vagos para venda ou arrendamento sem necessidade de reparações ou carecendo apenas delas ligeiras, já depois de deduzida a margem para o funcionamento regular do mercado de compra-e-venda e arrendamento.

Caso se considerem as “carências habitacionais quantitativas” diz o INE restar ainda “uma margem de 17.275 alojamentos imediatamente disponíveis para utilização”, o que significa que existiam mais casas no mercado de arrendamento e de compra e venda sem precisarem de obras, do que as necessárias para suprir as necessidades.

A diferença será ainda maior se forem considerados os alojamentos vazios para venda e arrendamento. 

Neste caso foi verificado um excedente de aproximadamente 211 mil casas face às carências habitacionais, o que impõe a conclusão de que, o número de casas à venda ou para arrendar, não só conseguia suprir as necessidades de quem vive sem condições dignas, como ainda sobravam habitações.

A conclusão que se impõe é a de que o problema da falta de habitação é, assim, quase exclusivamente devido à excessiva concentração populacional nas regiões da grande Lisboa e do grande Porto, significativamente reforçada na última década, e, em geral, por todo o litoral. 

Repare-se que, em 2021, mais de um quinto (20,1%) da população estava concentrada nos sete municípios mais populosos, que representavam somente 1,1% da área do país. 

No extremo oposto, 19,8% da população vivia nos 208 municípios menos povoados, que representam 65,8% do território.

Não sendo possível levar as casas devolutas de Santo André das Tojeiras ou do Barbaído para a Damaia, Massarelos ou para a Cruz de Pau, existe sempre a possibilidade de deslocalizar progressivamente o investimento, serviços públicos e redes de transportes para o interior, por forma a criar aqui mais emprego, oportunidades e mobilidade social.

Seriam as vilas e aldeias do resto do país a ganhar com mais gente e dinamismo, mas também o litoral, já que mais não fosse, com a redução da pressão sobre a habitação, serviços e infraestruturas.

Será assim tão difícil de entender esta “matemática” populacional?

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